Por Jerbson Moraes
“Não existem direitos fundamentais absolutos.” A frase, ensinada nos primeiros anos das faculdades de Direito, é verdadeira e necessária. Serve como antídoto contra o radicalismo e a rigidez constitucional. No entanto, essa premissa tem sido usada no Brasil para justificar algo que vai além da técnica jurídica: a concentração progressiva de poder interpretativo nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por meio da chamada “ponderação de princípios”, o STF tem decidido questões cada vez mais amplas, substituindo o Legislativo, anulando leis válidas e criando normas de alcance geral. É o caso, por exemplo, do inquérito das fake news, conduzido sem provocação do Ministério Público, e que já dura mais de cinco anos. Ou da atuação da Corte no julgamento do “orçamento secreto”, que não apenas declarou a prática inconstitucional, como passou a definir regras minuciosas sobre como o Congresso deve gerir verbas públicas.
Casos semelhantes se repetem: a criminalização da homofobia, a anulação do marco temporal das terras indígenas — mesmo após nova lei aprovada pelo Congresso — e tantas outras situações em que o STF não apenas interpreta, mas legisla, administra e, por vezes, até investiga.
A justificativa é quase sempre a mesma: omissão legislativa ou necessidade de proteção de direitos fundamentais. Mas esse caminho tem um custo institucional elevado. Ministros do STF não são eleitos, não prestam contas diretamente à sociedade e não participam do jogo democrático que caracteriza o Parlamento. Quando decisões judiciais passam a produzir efeitos gerais, sem limites claros e sem diálogo institucional com os outros Poderes, a balança da democracia se desequilibra.
A criação de “temas de repercussão geral” — 77 apenas em 2024 — é outro indicativo do avanço dessa lógica. Cada novo tema gera uma tese de observância obrigatória em todo o território nacional. Na prática, são novas normas jurídicas criadas fora do Congresso. O problema não está na defesa de direitos, mas no método utilizado para garanti-los.
O STF é, sim, guardião da Constituição. Mas guardião não é proprietário. A Constituição pertence ao povo brasileiro, representado no Legislativo e também no Judiciário. A Corte deve proteger os direitos, não reescrevê-los conforme sua própria visão de mundo. É preciso restaurar os mecanismos de freios e contrapesos. Isso pode ser feito com metodologias objetivas de ponderação, com autolimitação judicial e com maior diálogo entre os Poderes. Sem isso, o que era para ser exceção se torna regra — e o Estado de Direito vira terreno de insegurança.
A democracia exige equilíbrio. E equilíbrio só existe quando nenhum poder se impõe aos demais.
Jerbson Moraes
Advogado, mestrando em Direito pela UNI7 e pela Universidade Federal da Bahia (UFBA