A brasileira de Mogi-Guaçu (SP), Maíra Martini, 41 anos, assumiu recentemente o cargo de CEO da Transparência Internacional e já deixou claro que considera superficial a maneira como o debate sobre corrupção é conduzido. Para ela, é preciso mudar a abordagem e priorizar a prevenção, em vez de apenas discutir punições.
“Temos que tentar mudar um pouco essa narrativa e mostrar a necessidade de medidas preventivas. A gente não quer falar da corrupção uma vez que já aconteceu”, afirmou em entrevista à Folha de São Paulo.
Formada em Direito e Relações Internacionais pela PUC-SP e em Políticas Públicas pela Hertie School of Governance, na Alemanha, Martini possui uma trajetória consolidada dentro da organização, com sede em Berlim, tendo atuado principalmente em iniciativas voltadas para o combate à lavagem de dinheiro e fluxos financeiros ilícitos.
Em meio aos desafios de sua nova função, ela enfrenta um cenário delicado: a decisão do governo dos Estados Unidos, sob Donald Trump, de cortar os repasses da Usaid (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), medida que impacta o financiamento da Transparência Internacional e seus braços ao redor do mundo.
Brasil despenca no ranking da corrupção
Na última semana, a Transparência Internacional divulgou seu Índice de Percepção da Corrupção, e o Brasil registrou sua pior colocação histórica: a 107ª posição entre 180 países. O resultado gerou reações no governo Lula (PT), que questionou a metodologia do estudo. O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, chegou a classificar o levantamento como “conversa de boteco”.
Para Martini, no entanto, o verdadeiro foco do debate deveria estar na estruturação de um sistema capaz de evitar que casos de corrupção aconteçam.
“O combate à corrupção precisa de várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Você precisa de instituições fortes, de um arcabouço legal que não deixe brechas de entendimento. Precisa de um Judiciário competente e independente. E precisa de uma sociedade civil ativa, da imprensa ativa e com espaço para falar. Quando você não tem um desses elementos, não se fala em combate à corrupção”, pontua.
Ela também alerta para a maneira como governos populistas se apropriam do discurso anticorrupção para, na prática, fragilizar instituições e silenciar a imprensa.
Crime organizado e corrupção no Estado
Outro ponto de preocupação destacado por Martini é o avanço do crime organizado dentro das estruturas estatais. Em alguns países, essas organizações não apenas influenciam decisões governamentais, mas operam diretamente no aparelho público.
“Os sistemas e as redes usados pelo crime organizado normalmente são as mesmas dos usados pelos corruptos, principalmente em esquemas transnacionais”, explica, destacando brechas como a facilidade de abertura de empresas anônimas e o uso de escritórios de advocacia e bancos para lavagem de dinheiro.
Além disso, Martini reforça que a lentidão da Justiça acaba favorecendo esses crimes, pois reduz a percepção de risco.
“Quando o Judiciário não funciona, você perde isso. O apetite de risco das pessoas decidirem se vão se envolver ou não num caso de corrupção é outro”, afirma.
Lava Jato e a anulação de provas
A nova CEO também se manifestou sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de invalidar as provas da delação da Odebrecht, que impactou diversos processos ligados à Operação Lava Jato.
“Internacionalmente, todo mundo está tentando entender um pouquinho o que vai acontecer e se isso vai significar impunidade para esses políticos em vários desses países”, destaca Martini.
O acordo de colaboração da empreiteira, firmado em 2016 com Brasil, Suíça e Estados Unidos, detalhava o pagamento de propina em pelo menos 12 países. No entanto, em 2023, o ministro Dias Toffoli considerou as provas irregulares, alegando que houve conluio entre juiz e acusação, além de transporte inadequado do material.
Com isso, investigações e processos em países como Peru e Equador podem ser comprometidos.
“O mais absurdo de tudo isso é que em algum desses casos essas pessoas confessaram que elas estavam envolvidas em esquema de corrupção. E agora pode ser que elas acabem totalmente impunes”, alerta a executiva.
Conflito com o STF
No Brasil, a Transparência Internacional também passou a ser alvo do ministro Dias Toffoli, que determinou uma investigação sobre a participação da ONG no acordo de leniência do grupo J&F. A entidade nega ter recebido qualquer recurso desses acordos e afirma que não teve papel na gestão financeira dos valores.
Para Martini, a ação representa uma tentativa de retaliação.
“É bem problemático quando se tem uma decisão, monocrática, da corte mais alta do país, que é baseada em informação falsa e que já foi negada várias vezes.”
A Procuradoria-Geral da República já se manifestou a favor do arquivamento da investigação.